Terça-feira, 29 de Janeiro de 2008

Conversas com filósofos

 Lá ia eu mais uma vez tentando pôr ordem em dezenas de pensamentos desordenados quando notei que ele estava ali na esquina do costume, ao frio e à chuva, como sempre. Dirigi-me a ele e tentei colocar-lhe algumas questões que me assolavam a alma (ou a mente, ou o cérebro, ou o raio que me parta).

Eu – Ó Hume, achas que vou conseguir levar isto até ao fim?

Hume – Por esse caminho que tomas não me parece que consigas. Não há maneira de pores as ideias em ordem, rapaz! Um filósofo não pode pensar em tudo ao mesmo tempo, nem ler tudo de uma vez. Vê lá se te decides e se avanças.

Eu – Está fixe. Uma resposta mesmo a condizer contigo. Mas olha cá, ó David, não achas que aqui na tua terra também aparecem muitos caramelos? È que estou farto de ouvir dizer que em Portugal é mau, e té té, e blá blá, mas ao ouvir o que a maioria destes tipos tem dito chego à conclusão que estão tão baralhados quanto nós, os portugas; têm é mais método e melhores condições. Que achas disto?

Hume - Uh lá lá! Que esperavas encontrar aqui, jovem? A resposta para todos os teus problemas? A panaceia de todos os males? Os píncaros? Nah! Vieste ao lugar errado. Aqui trabalha-se, pá. Aqui trabalha-se. Tens de trabalhar. Parece-me que vens com uma falsa ilusão entranhada nesse teu cérebro à lá Homer Simpson. Aqui não há respostas para os teus problemas. Aqui há formas de ajudar-te a resolver os teus problemas. Topas? Aqui não há milagres (talvez lá para a zona Fátima haja, mas aqui não).

Eu – Pois, soa-me bem o que dizes. Talvez...Talvez...ah, deixa lá! Não interessa. Mais parvoíce.

Hume – Diz jovem, diz. Não fiques com isso engasgado. Até estás a ficar roxo; e não é do frio. Cospe isso cá para fora.

Eu – Yep, está bem. Já que insistes, é o seguinte. Tenho uma imensa dificuldade em ver-me com “futuro”. Estás ver? Mesmo que consiga levar isto por diante, que me espera lá na terrinha? Dar aulas no secundário, quanto muito? Hum...nop. Desculpa o desabafo, mas estou desanimado. As expressões que mais me ocorrem são: “E se não consigo?” e “ e mesmo que consiga, e depois?” Estás a ver o meu problema? Estou em baixo, ó grande mestre. Que recomendas? Uma dose de bilhar e cervejas com amigos? Umas garinas (ah, é verdade, não posso!) Dá-me lá um pouco dessa tua sabedoria própria dos grandes pensadores. E não me mandes ler os teus livros outra vez, não tenho tempo nem pachorra.

Hume – Meu caro, se esperas ouvir de mim alguma extraordinária teoria sobre o sentido da vida e de como deves conduzir a tua, desengana-te! Sabes que sempre fui mais socrático que platónico (se é que os tipos eram mesmo dois). Enfim, não me peças soluções. Só te posso dar problemas. Queres, queres. Não queres? Paciência! Vai à tua vida e procura por outro gajo, noutra esquina, que te mostre a “luz”. Não necessariamente a luz ao fundo do túnel. O mais que posso fazer por ti, rapaz, é dar-te alguma luz para entrares no túnel. Mas atenção, entrar no túnel exige coragem, dedicação, abnegação, empenho, sacrifício, etc. Tens de perguntar a ti mesmo se tens em ti tudo isso. Nás cá temos uma expressão para isso, é: “Do you have all it takes to...?” Ou então “Do you have the b...?” Well? Do you?

Eu – Não sejas sarcástico comigo. Reconhecia algum cinismo na tua escrita. Mas sarcasmo puro e duro? Nunca pensei receber isso de ti. Mas deixa lá. Sabes, acho até que tenho isso que dizes ser necessário em quantidade suficiente. Mas como saber de certeza? E não me venhas com a rábula de que temos de confiar em nós próprios, e que o que importa é o caminho, e que não sei mais o quê, tudo típico de uma perspectiva estereotipada da vida. Eu preciso de certezas, pá! Sou como o teu famoso colega, o Renato. Estás ver de quem estou a falar? O Descartes? Bem sei, bem sei. Escusas de dizer o que vais dizer. Quase que o adivinho. Não podemos ter certezas quanto ao futuro porque o futuro é contingente. Isso até me agrada. Evitamos o fatalismo, não é? Mas... Bem, calo-me. Diz lá qualquer coisa inteligente para compensar as minhas tolices.

Hume – Já disseste quase tudo.

Eu – Uh? Estás brincar comigo? Novamente a gozar com o desgraçadinho aí do alto do teu majestoso intelecto?

Hume – Nada disso, lad. Deixa de ter a mania da perseguição. Só queria dizer que o que importa para já é perceberes-te e perceberes que te percebes. Percebes?

Eu – Ahn? Estou completamente baralhado. Acaba lá com esse jogo de palavras. Quem pensas que és? Algum filósofo francófono das décadas de 60/70? Tu és o grandioso Hume! O grande mestre não diz dessas idiotices afrancesadas.

Hume – Deixa-te lá tu de facciosismos. Até há bons filósofos franceses. Por exemplo, aquele rapaz que levou a cabeçada do italiano louco. Como é que se chamava? Ah sim! Zidane! E vocês portugas também têm lá bons filósofos. O Saramago. Ah, espera, esse é ibérico, não é? Se é ibérico não é português, pois um português pode viver na ibéria mas não é um ibérico. Ou é? Bem, esquece. Já estou a divagar. Enfim, sempre têm o Special One, essa maravilha do filosofês futebolístico.

Mas voltemos ao teu assunto. O que eu queria dizer é que não basta pensar e pensar que se pensou. Tem de se tomar um rumo. Visar um objectivo! Agir no mundo! Essa é melhor maneira de evitar o cepticismo acerca do mundo e de nós mesmos! Espera...Espera... Isto é-me familiar. Que diabo!? Onde é que eu já ouvi isto?

Eu – Estás caduco ou quê, pá? Então não foste tu que disseste isso? Devem ser efeitos colaterais de estares à chuva e ao frio com uma toga de romano (estes escoceses são loucos, diria o Asterix, vestiram o Hume à romano!)

Hume – Sim! Sim! Tens razão! Fui eu que escrevi isso. Como pude esquecer-me? Mas...desgraçadamente, não me soa tão bem agora como na altura em que o escrevi. Se calhar é por estar a “fazer tijolo”. Ou então é porque não compreendo este mundo em que o agir, tantas vezes mal e irreflectidamente, é um lugar-comum. O pessoal sempre confundiu agir com agir bem, mas agora aí neste teu tempo é por demais.

Bem, mas vai lá à tua vidinha que se está a fazer tarde.

Eu – Compreendo. Queres ir ali à tasca virar umas canecas (de cerveja), ou quiçá uns “penaltys” de néctar cá da terra (Whikey).?

Hume – Pois, pá, os meus dias de filosofia já estão para trás. Agora sou apenas uma atracção turística aqui na Royal Mille. Aí 90% dos japónios e outros cromos que por aqui passam e me tiram fotografias com as suas irritantes sonys, e casios e o diabo a sete, não faz a menor ideia de quem fui e o que disse. Mas enfim, o que é que se vai fazer a isto, não é? Deixa-os. São felizes. Ignorantes, idiotas mas felizes. Recordam-me aquele tipo... ah, não, espera, esse não era nem parvo nem ignorante, fazia-se era de ignorante para mostrar que aqueles que pensavam não o ser afinal eram. Enfim, artimanhas de gregos. Dão-me dores de cabeça. Não tens por aí uma aspirina ou... quem sabe... uma ervita marroquina para fumar, pois não? Não? Bolas! Então vai ver se estou na esquina! (e não é que  estou?)

Eu- Bem, até breve. Desculpa o incómodo. Fica bem.

Hume – Como posso ficar bem se não te vais embora para eu ir despejar uns canecos? Vá!Vá!xó!xó Faz-te à estrada, rapaz. E não me apareças mais por aqui se não tiveres nada de realmente interessante para me dizer. Xó!

 

E assim terminou nesse dia a minha conversa com esse ilustre filósofo cá da terra. Agora só me resta dizer como diz o outro do anúncio da água depois de dar um golo: “Olha!? Tou na mesma!”

Estou: estarrecido!
Sonoro: Prelude from Bach's Cello Suite No. 1
Filosofado por No mercy às 02:29
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